"Não negligencieis a prática do
bem e a mútua cooperação [koinonia]"
Hebreus 13.16
O egocentrismo não tem lugar na igreja. Nem
devíamos dizer isso, mas, desde o alvorecer da era apostólica até hoje, o amor
próprio em todas as suas formas tem prejudicado incessantemente a comunhão dos
santos. Um exemplo clássico e antigo de egocentrismo fora de controle é visto
no caso de Diótrefes. Ele é mencionado em 3 João 9-10, onde o apóstolo diz:
"Escrevi alguma coisa à igreja; mas Diótrefes, que gosta de exercer a
primazia entre eles, não nos dá acolhida. Por isso, se eu for aí, far-lhe-ei
lembradas as obras que ele pratica, proferindo contra nós palavras maliciosas.
E, não satisfeito com estas coisas, nem ele mesmo acolhe os irmãos, como impede
os que querem recebê-los e os expulsa da igreja".
Diótrefes anelava ser o preeminente em sua
congregação (talvez até mais do que isso). Portanto, ele via qualquer outra
pessoa que tinha autoridade de ensino – incluindo o apóstolo amado – como uma
ameaça ao seu poder. João havia escrito uma carta de instrução e encorajamento
à igreja, mas, por causa do desejo de Diótrefes por glória pessoal, ele
rejeitou o que o apóstolo tinha a dizer. Evidentemente, ele reteve da igreja a
carta de João. Parece que ele manteve em segredo a própria existência da carta.
Talvez ele a destruiu. Por isso, João escreveu sua terceira epístola inspirada
para, em parte, falar a Gaio sobre a existência da carta anterior.
Na verdade, o egoísmo de Diótrefes o tornou culpado
do mais pernicioso tipo de heresia: ele rejeitou ativamente e se opôs à
doutrina apostólica. Por isso, João condenou Diótrefes em quatro atitudes: ele
rejeitou o ensino apostólico; fez acusações injustas contra um apóstolo; foi
inóspito para com os irmãos e excluiu aqueles que não concordavam com seu
desafio a autoridade de João. Em todo sentido imaginável, Diótrefes era culpado
da mais obscura heresia, e todos os seus erros eram frutos de egocentrismo.
Em nosso estado caído, estado de carnalidade, somos
todos assediados por uma tendência para o egocentrismo. Isto não é uma ofensa
insignificante, nem um pequeno defeito de caráter, nem uma ameaça irrelevante à
saúde de nossa fé. Diótrefes ilustra a verdade de que o amor próprio é a mãe de
todas as heresias. Todo falso ensino e toda rebelião contra a autoridade de
Deus estão, em última análise, arraigados em um desejo carnal de ter a
preeminência – de fato, um desejo de reivindicar para si mesmo aquela glória
que pertence legitimamente a Cristo. Toda igreja herética que já vimos tem
procurado suplantar a verdade e a autoridade de Deus com seu próprio ego
pretensioso.
De fato, o egocentrismo é herético porque é a
própria antítese de tudo que Jesus ensinou ou exemplificou. E produz sementes
que dão origem a todas as outras heresias imagináveis.
Portanto, não há lugar para egocentrismo na igreja.
Tudo no evangelho, tudo que igreja tem de ser e tudo que aprendemos do exemplo
de Cristo golpeia a raiz do orgulho e do egocentrismo humano.
Koinonia
As descrições bíblicas de comunhão na igreja do
Novo Testamento usam a palavra grega koinonia. O espírito
gracioso que essa palavra descreve é o extremo oposto do egocentrismo.
Traduzida diferentemente por "comunhão",
"compartilhamento", "cooperação" e
"contribuição", esta palavra é derivada dekoinos, a palavra grega
que significa "comum". Ela denota as ideias de compartilhamento,
comunidade, participação conjunta, sacrifício em favor de outros e dar de si
para o bem comum.
Koinonia era uma das
quatro atividades essenciais que mantinha os primeiros cristãos juntos: "E
perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão [koinonia], no partir do pão
e nas orações" (At 2.42). O âmago da "comunhão" na igreja do
Novo Testamento era culto e sacrifício uns pelos outros, e não festividade ou
funções sociais. A palavra em si mesma deixava isso claro nas culturas de fala
grega. Ela foi usada em Romanos 15.26 para falar de "uma coleta em
benefício dos pobres" (ver também 2 Co 9.3). Em 2 Coríntios 8.4, Paulo
elogiou as igrejas da Macedônia por "participarem [koinonia] da assistência
aos santos". Hebreus 13.16 diz: "Não negligencieis, igualmente, a
prática do bem e a mútua cooperação [koinonia]".
Claramente, o egocentrismo é hostil à noção bíblica de comunhão cristã.
Uns aos outros
Esse fato é ressaltado também pelos muitos
"uns aos outros" que lemos no Novo Testamento. Somos ordenados: a
amar "uns aos outros" (Jo 13.34-35; 15.12, 17); a não julgar
"uns aos outros" e ter o propósito de não por tropeço ou escândalo ao
irmão (Rm 14.13); a seguir "as coisas da paz e também as da edificação de
uns para com os outros" (Rm 14.19); a ter "o mesmo sentir de uns para
com os outros" e acolher "uns aos outros, como também Cristo nos
acolheu para a glória de Deus" (Rm 15.5, 7). Somos instruídos a levar
"as cargas uns dos outros" (Gl 6.2); a sermos benignos uns para com
os outros, "perdoando... uns aos outros" (Ef 4.32); e a sujeitar-nos
"uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5.21). Em resumo, "Nada
façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um
os outros superiores a si mesmo" (Fp 2.3).
No Novo Testamento, há muitos mandamentos
semelhantes que governam nossos relacionamentos mútuos na igreja. Todos eles
exigem altruísmo, sacrifício e serviço aos outros. Combinados, eles excluem
definitivamente toda expressão de egocentrismo na comunhão de crentes.
Cristo como cabeça de seu corpo, a
igreja
No entanto, isso não é tudo. O apóstolo Paulo
comparou a igreja com um corpo que tem muitas partes, mas uma só cabeça:
Cristo. Logo depois de afirmar, enfaticamente, a deidade, a eternidade e a
proeminência absoluta de Cristo, Paulo escreveu: "Ele é a cabeça do corpo,
da igreja" (Cl 1.18). Deus "pôs todas as coisas debaixo dos pés, e
para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu
corpo" (Cl 1.22-23). Cristãos individuais são como partes do corpo,
existem não para si mesmos, mas para o bem de todo o corpo: "Todo o corpo,
bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa
cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si
mesmo em amor" (Ef 4.16).
Além disso, cada parte é dependente de todas as
outras, e todas estão sujeitas à Cabeça. Somente a Cabeça é preeminente, e,
além disso, "se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é
honrado, com ele todos se regozijam" (1 Co 12.26).
Até aquelas partes do corpo aparentemente
insignificantes são importantes (vv. 12-20). "Deus dispôs os membros,
colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve. Se todos, porém, fossem um
só membro, onde estaria o corpo?" (vv. 18-19).
Qualquer evidência de egoísmo é uma traição de não
somente o resto do corpo, mas também da Cabeça. Essa figura torna o altruísmo
humilde em virtude elevada na igreja – e exclui completamente qualquer tipo de
egocentrismo.
Escravos de Cristo
A linguagem de escravo do Novo Testamento enfatiza,
igualmente, esta verdade. Os cristãos não são apenas membros de um corpo,
sujeitos uns aos outros e chamados à comunhão de sacrifício. Somos também
escravos de Cristo, comprados com seu sangue, propriedade dele e, por isso,
sujeitos ao seu senhorio.
Escrevi um livro inteiro sobre este assunto. Há uma
tendência, eu receio, de tentarmos abrandar a terminologia que a Escritura usa
porque – sejamos honestos – a figura de escravo é ofensiva. Ela não era menos
inquietante na época do Novo Testamento. Ninguém queria ser escravo, e a
instituição da escravidão romana era notoriamente abusiva.
No entanto, em todo o Novo Testamento, o
relacionamento do crente com Cristo é retratado como uma relação de senhor e
escravo. Isso envolve total submissão ao senhorio dele, é claro. Também exclui
toda sugestão de orgulho, egoísmo, independência ou egocentrismo. Está é
simplesmente mais uma razão por que nenhum tipo de egocentrismo tem lugar na
vida da igreja.
O próprio senhor Jesus ensinou claramente este
princípio. Seu convite a possíveis discípulos foi uma chamada à total autorrenúncia:
"Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua
cruz e siga-me" (Lc 9.23).
Os doze não foram rápidos para aprender essa lição,
e a interação deles uns com os outros foi apimentada com disputas a respeito de
quem era o maior, quem poderia ocupar os principais assentos no reino e
expressões semelhantes de disputas egocêntricas. Por isso, na noite de sua
traição, Jesus tomou uma toalha e uma bacia e lavou os pés dos discípulos. Sua
admoestação para eles, na ocasião, é um poderoso argumento contra qualquer
sussurro de egocentrismo no coração de qualquer discípulo: "Ora, se eu,
sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns
dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós
também" (Jo 13.14-15).
Foi um argumento do maior para o menor. Se o eterno
Senhor da glória se mostrou disposto a tomar uma toalha e lavar os pés sujos de
seus discípulos, então, aqueles que se chamam discípulos de Cristo não devem,
de maneira alguma, buscar preeminência para si mesmos. Cristo é nosso modelo, e
não Diótrefes.
Não posso terminar sem ressaltar que este princípio
tem uma aplicação específica para aqueles que estão em posições de liderança na
igreja. É um lembrete especialmente vital nesta era de líderes religiosos que
são superestrelas e pastores jovens que agem como estrelas de rock. Se Deus
chamou você para ser um presbítero ou mestre na igreja, ele o chamou não para
sua própria celebridade ou engrandecimento. Deus o chamou a fazer isso para a
glória dele mesmo. Nossa comissão é pregar não "a nós mesmos, mas a Cristo
Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos [escravos], por amor de
Jesus" (2 Co 4.5).
Traduzido por: Francisco Wellington Ferreira
Editor: Tiago Santos
Fonte: Editora Fiel
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