Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930), o médico
e escritor escocês mais conhecido por sua criação do detetive fictício Sherlock
Holmes, escreveu certa vez: “O inferno, posso dizer [...], há muito tempo está
fora dos pensamentos de todo homem sensato”. Hoje em dia ele receberia muito
apoio por essa declaração, e não apenas apoio daqueles fora da igreja cristã. A
ideia de que incalculáveis bilhões de seres humanos (incluindo muitos daqueles
que pareciam cidadãos decentes e que cumpriam a lei) passarão a eternidade
expostos à implacável ira de Deus é simplesmente inaceitável para muitas
pessoas. Mesmo alguns que possuem alto cargo eclesiástico já rejeitaram a
ideia. John Robinson (1919-1983), o bispo liberal de Woolwich, em Londres, cujo
livro Honest to God reduziu o Criador ao “Nível do Ser”, disse a respeito dessa ideia:
“[Deus] não pode suportar isso [...] e ele não irá”.
De longe, o mais persistente ataque ao inferno vem
na forma de uma pergunta: como pode um Deus de amor enviar qualquer pessoa ao
inferno? O filósofo e teólogo britânico John Hick (1922-2012) argumentou que o
inferno era “totalmente incompatível com a ideia de Deus como amor infinito”. O
argumento aqui é perfeitamente direto: enviar pessoas para o inferno não é algo
que provém de amor, então um Deus de amor nunca poderia fazê-lo. Como
respondemos a isso?
O amor de Deus está acima de dúvidas, e 1 João 4.8
(“Deus é amor”) confirma que amor é parte integral da própria essência de Deus.
Ainda assim, isolar um de seus atributos como forma de demolir o inferno nos
deixa com uma caricatura assimétrica de Deus. De fato, o atributo bíblico
dominante de Deus não é seu amor, mas sua santidade; ele é chamado pelo seu
“santo nome” mais do que todas as outras descrições reunidas. Ele possui zero
tolerância ao pecado. Ele é “tão puro de olhos, que não [pode] ver o mal” (Hc
1.13), um fato fundamental completamente ignorado pela sociedade permissiva de
hoje. A pergunta que os coveiros do inferno deveriam estar fazendo é: “Como um
Deus de santidade permite que qualquer pessoa entre no céu?” Visto que “todos
pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.23) e no céu “jamais penetrará coisa
alguma contaminada” (Ap 21.27), a tarefa deles é difícil.
Em certo sentido, Deus não envia ninguém para o
inferno, mas são as próprias pessoas que se enviam para lá. Deus revelou “o seu
eterno poder, como também a sua própria divindade [...] desde o princípio do
mundo” e todos aqueles que rejeitam essa revelação são “indesculpáveis” (Rm
1.20). Não existe lei que proíba pessoas de reconhecer a existência, o poder, a
santidade, o amor e a bondade de Deus ou que as impeça de viver de maneira a
glorificá-lo como Deus (v. 21). As pessoas têm uma opção — e incontáveis
milhões optam por não dar a Deus seu lugar de direito, não percebendo que ao
fazê-lo, estão acumulando para si ira para o dia da revelação do justo juízo de
Deus (2.5). J.I. Packer aponta esta trágica verdade: “Ninguém permanece sob a
ira de Deus exceto aqueles que escolheram fazê-lo. A essência da ação de Deus
na ira é dar aos homens o que eles escolhem, com todas as suas implicações;
nada mais, e igualmente, nada menos”. C.S. Lewis adiciona o comentário
arrepiante: “De bom grado creio que os condenados são, em certo sentido,
rebeldes bem sucedidos até o fim; creio que as portas do inferno são trancadas
pelo lado de dentro”.
Outros rejeitam o retrato bíblico do inferno por
dizer que, embora Deus odeie o pecado, ele ama o pecador, e assim nunca poderia
condenar ninguém à punição eterna. Mas seria esse o caso? Rastreei 33 lugares
na Escritura onde a ira de Deus é expressada. Em doze lugares, é dito que ele
odeia as ações dos pecadores (incluindo a prática da falsa religião), mas nos
outros 21 é dito que ele odeia o pecador. Um exemplo cobre todos os outros: é
dito que a alma de Deus odeia o que ama a violência (Sl 11.5, A21).
Embora Deus mostre seu amor derramando sua graça
comum sobre todas as pessoas — “Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e
vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5.45) — não ousemos confundir isso com
a graça salvífica que capacita o pecador a ver seu terrível perigo e se voltar
para Deus em arrependimento e fé. Aqueles que veem o amor de Deus como algo que
elimina o inferno estão ignorando a justiça de Deus e o fato fundamental de que
ele “não inocenta o culpado” (Ex 34.7). Como Packer diz: “Não é possível
argumentar que um Deus que é amor não pode também ser um Deus que condena e
puna o desobediente”.
Muitos rejeitam o ensino bíblico sobre o inferno
afirmando que condenar todos os pecadores não-perdoados à punição eterna no inferno
viola o princípio de que uma punição deve sempre ser equivalente ao crime.
Perguntam: Como pode Deus punir o mero período de uma vida terrena de pecados
com sofrimento que dura para sempre? Certamente aqueles que levam vidas
razoavelmente respeitáveis não serão tratados da mesma maneira que genocidas,
estupradores, pedófilos, etc.? Ambas as perguntas têm respostas diretas. No
primeiro caso, o tempo que se passa cometendo um crime é normalmente
irrelevante para determinar a sentença. Por exemplo, um assalto violento que
ameaça a vida pode acontecer em menos de um minuto, mas menos do que um minuto
na cadeia pode ser a sentença justa para tal crime? No segundo caso, não
existem “pequenos pecados”, porque não existe um pequeno Deus contra quem
pecar.
As questões decisivas são a natureza de Deus e a
natureza do pecado, e todo pecado, sem exceção, é uma ofensa contra a majestade
e autoridade do nosso Criador. Além do mais, até mesmo uma pessoa altamente
respeitável já quebrou o que Jesus chamou de o mais importante dos mandamentos
de Deus — “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a
tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força” (Mc 12.30) — sendo,
assim, culpado de cometer o maior pecado. A Bíblia deixa claro que há graus de
punição no inferno — Jesus falou daqueles que receberiam “maior condenação” (Mc
12.40) — mas nenhum pecador “respeitável” pode achar nenhum conforto nesse
fato. O fato de o homem não dar a Deus “a glória devida ao seu nome” (Sl 29.2)
é um mal infinito que merece infinita punição, e visto que no inferno não
existe oportunidade ou inclinação para se arrepender, a justiça de Deus exige
que isso dure para sempre.
Ainda outra tentativa de torcer o ensino bíblico do
inferno é a sugestão de que quando a Bíblia fala de punição eterna, é a punição
que dura para sempre, não o ato de punir; chega um ponto no qual Deus, na
realidade, diz “já chega” e termina a punição aniquilando o pecador. Mas se a
aniquilação é o objetivo do sofrimento, qual é o propósito do sofrimento? Esse
tipo de cenário condenaria Deus como o supremo sádico. A sugestão também vai de
direto encontro com o claro ensino da Bíblia de que aqueles que estão no
inferno “não têm descanso algum, nem de dia nem de noite” (Ap 14.11). Em seu
livro The Fire That Consumes, o autor Edward Fudge chega à
curiosa conclusão de que, embora aos perversos “não seja permitido o descanso
durante o dia” e não têm “esperança certa de que o alívio chegará à noite”,
isso “não quer dizer, em si mesmo, que o sofrimento dura o dia inteiro e a
noite inteira”. Isso soa muito suspeitosamente como uma falácia de alegação
especial, no mínimo.
Todas as outras maneiras de tentar limitar a
duração do inferno colidem com o simples fato de que em um único fôlego Jesus
falou a respeito daqueles que “sairão para a punição eterna” enquanto que o
justo irá para “a vida eterna”. Em ambos os casos, o termo “eterna” é traduzido
da mesma palavra grega — ai?nios. Por que Jesus usaria a mesma
palavra para descrever a “punição” dos perdidos e a “vida” dos salvos se ele
quisesse dizer que apenas uma seria infinita? Mais de quinze séculos atrás,
Agostinho escreveu: “Dizer que a vida eterna deve ser infinita [mas que] a
punição eterna deve ter um fim é o cúmulo do absurdo”.
Ninguém pode pensar adequadamente a respeito da
terrível realidade do inferno (muito menos pregar sobre ela) e continuar
emocional e psicologicamente intacto. Ainda assim, o inferno é boa nova. Ele
confirma que Deus é eternamente soberano, e que ele tem a última palavra quanto
ao destino humano. Ele vindica o caráter de Deus, mostrando que ele é
completamente santo e justo. Ele guarda a nova criação contra a possibilidade
de ser invadida novamente por Satanás ou infectada pelo pecado, e garante que
“novos céus e nova terra” serão um lar onde “habita justiça” (2 Pedro 3.13) e
onde a família redimida de Deus viverá em sua gloriosa presença para sempre.
Ele garante a todos os remidos que na glória “a morte já não existirá, já não
haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap
21.4).
Pode até mesmo ser dito que o ensino da Bíblia
sobre o inferno é boa nova para os não convertidos. Ele os alerta quanto ao seu
apavorante perigo e, em incontáveis casos, leva os pecadores a buscar o
Salvador e encontrá-lo como aquele “que nos livra da ira vindoura” (1Ts 1.10).
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